sábado, 25 de julho de 2009

Avaliação de conteúdos na Internet

Separar o "trigo do joio" é uma tarefa ancestral e essencial nos campos. Gostando os historiadores de tudo o que é antigo, ancestral (bem, talvez nem todos!), nada mais natural do que terem desenvolvido um conjunto de metodologias que, à semelhança daquele trabalho agrícola, lhes permitissem averiguar, seleccionar e validar as fontes que possibilitam olhar para o passado com a confiança, com uma maior confiança pelo menos, de não estar a interpretar mal os seus testemunhos. Também aqui o objectivo é separar o bom do mau, avaliando o conteúdo e o contexto de produção do documento.
Se este trabalho é basilar na tarefa do historiador, porque razão deveria ser diferente na era do digital? A Internet é, além de muitas outras coisas, um gigantesco repositório de informação, de documentos, de fontes e potenciais fontes. É um arquivo, com regras um pouco diferentes dos tradicionais, é certo, mas nem por isso menos válido para o trabalho do historiador. Para o usar é necessário, primeiro, pesquisar e sobre isso já falei um pouco no último texto, mas depois é crucial conseguir avaliar o que se encontra.
Também esta fase faz parte da chamada "literacia informativa", sendo quase inata para o historiador. Se, perante um novo documento, um novo achado arqueológico, um novo artefacto, uma nova interpretação histórica, o "trabalhador do passado" (se os há para o "comércio", porque não para o passado!) automaticamente recorre à avaliação, à crítica, à recensão e análise, porque razão essas tarefas devem ser negligenciadas ou usadas com menos critério na Internet? A resposta deve apontar e reforçar precisamente a direcção oposta. Tendo em conta a forma como é produzida e disponibilizada uma boa parte dos conteúdos digitais, sem passar pelo crivo, pelo filtro académico, institucional, profissional, seja ele o peer review, seja ele editorial, aquelas tarefas assumem uma particular importância e acuidade.
A avaliação de conteúdos na Internet é, assim, uma necessidade e melhorar a forma como o historiador ou o estudante de História cumprem essa tarefa é algo que deve ocupar a mente e levar à acção todos os que têm a responsabilidade de ensinar pessoas. Desculpem-me a utilização de um conceito quase politicamente incorrecto, pois hoje em dia os "professores não ensinam", quando muito formam, desenvolvem competências, estimulam... Mas se assim é, então, o estímulo deve passar pela explicação de um conjunto de questões que todos os utilizadores da Internet devem ter presentes, em formato livro de bolso, quando se deparam com a informação e pretendem averiguar da sua qualidade.
As perguntas a lançar para o ciberespaço podem resumir-se aos já clássicos quem, para quem, porquê, como e quando. A obtenção de respostas a estas questões por parte dos sites que se consulta e a análise desse feedback é essencial para a avaliação da qualidade dos conteúdos ou recursos digitais. A principal dificuldade, porém, é que normalmente quem faz as perguntas tem também o trabalho, deve ter a persistência de procurar as respostas. Daí ter chamado a atenção para uma navegação "activa" da Internet, ou seja, não aceitar passivamente tudo o que vem à rede, pois nem tudo é peixe que se possa comer. Por vezes é necessário devolver ao mar de informação aquele que ainda não está completo, que não está suficientemente desenvolvido, ou colocar de lado, deitar fora o que está poluído.
Nesta tarefa, difícil e morosa a princípio, mas que com a continuação se vai tornando quase intuitiva, é preciso começar por questionar sobre o "quem". Quem produziu a informação, quem é responsável pelo site e pela divulgação do seu conteúdo? A que instituição está afiliado? Que competências e habilitações demonstra ter para falar sobre o assunto? Depois o "para quem". A quem se dirige o site? O seu público-alvo é a população em geral, são os estudantes, é o meio académico? Que tipo de discurso é utilizado? A seguir o "porquê". Qual o objectivo a atingir com o conteúdo do site? Que imagem ou ideia se quer fazer passar? Existirá alguma "agenda" escondida por trás do discurso, mais ou menos, científico? O "como" é igualmente importante. Que métodos e técnicas são usadas para passar a mensagem? O conteúdo é o mais importante ou é apenas acessório por entre um fogo-de-artifício de cores e animações? Existe rigor naquilo que é transmitido? São indicadas fontes ou referências que permitam confirmar ou confrontar o que é afirmado? Por fim, o "quando". O que foi encontrado é informação actual? Quando foi a mesma disponibilizada? Foi corrigido ou actualizado o conteúdo do site? Será que não existem dados e interpretações mais recentes sobre o assunto?
Bem, a lista de perguntas é extensa e assusta qualquer um à partida. Utilizar a Internet desta forma, com uma lista de verificações tão complicada e de resposta nem sempre simples ou óbvia, acaba por reduzir drasticamente a velocidade de navegação, mesmo que se use a banda larga. Será necessário obter resposta a todas as questões, em todos os sites que se encontra, a cada momento do trabalho de pesquisa pela Web? Não, isso vai depender muito do objectivo do trabalho, do rigor a colocar no mesmo, do tipo de utilizador. Numa parte dos casos bastará uma boa resposta às três primeiras perguntas para que sejam, mais ou menos, dispensáveis as restantes. Mas se o objectivo for mais exigente, mais académico, por exemplo, então chegar ao "como" e ao "quando" torna-se obrigatório.
O importante a destacar, até para não desanimar quem quer começar a fazer um uso mais produtivo e informativo da Internet, é que a lista de questões não é obrigatória a todo o momento, pode e deve ser adaptada aos objectivos e necessidades de cada um e, mais significativo do que tudo isso, é suficientemente maleável e assimilável para com facilidade e alguma prática passar a constituir uma competência natural de quem usa a Internet.
Os links que indico a seguir levam a um conjunto de sites onde esta temática é abordada. A lista de perguntas e a forma como as mesmas são apresentadas pode diferir, mas em todos é realçada a necessidade de um uso atento e crítico da Internet e da informação que através dela se obtém.

Trinkle, Dennis A., e Scott A. Merriman, The history highway, M.E. Sharpe, 2006, pp. 24-34. (no Google Books)

History Matters: Reference desk: Evaluating Digital Resources

Surfing for the Past: How to Separate the Good from the Bad
Using Primary Sources on the Web
Evaluating Web Pages: Techniques to Apply & Questions to Ask
Guide to Evaluating Websites
Teaching students to evaluate Web sources more critically

Photographic Truth in the Digital Era

Conteúdos Enganadores ou Falsos na Internet
Cinco Critérios Para Avaliar Websites - Parte I
Cinco Critérios Para Avaliar Websites - Parte II

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