quarta-feira, 29 de maio de 2013

Não sou um Humanista Digital, mas…

Provavelmente não serei sequer um Humanista, mas apenas um historiador, esse ser que navega entre as humanidades e as ciências sociais. Para piorar o cenário, no meu caso específico, navego entre as humanidades, as ciências sociais e a informática. Mas é aqui que me sinto bem, que me sinto à vontade. É neste espaço algo indefinido que encontro o rumo do meu trabalho, as ferramentas de que preciso e as colaborações que me ajudam a compreender cada vez melhor o meu lugar no ofício de historiador.

Dizer que não sou um Humanista Digital num blogue como este é, obviamente, um excesso literário. Pretendo, contudo, reforçar a ideia que, apesar de fazer um uso recorrente e sistemático de materiais, ferramentas e metodologias digitais no meu dia-a-dia de trabalho, é sempre à História que volto no final da jornada. É dos problemas históricos que parto e é através do recurso ao digital que os procuro resolver. Contudo, essa opção é agora tão natural para mim, num momento em que o mundo digital tem cada vez mais para oferecer, como o era há quase vinte anos atrás quando, confrontado com esse ser estranho que era a “base de dados relacional”, optei por mergulhar de cabeça na lógica estruturada da informática e naquilo que ela tinha para oferecer a uma disciplina tão dada a ambiguidades e a interpretações tão pouco binárias.

Como apesar de tudo ainda me considero na transição entre dois mundos, tenho dificuldade em aceitar o rótulo de “digital”, mas também não me sinto um historiador “analógico”!

E então, onde cabem os mapas que constam do título do blogue? Bem, resultam somente de mais uma bifurcação no meu caminho em direcção à investigação histórica. O meu primeiro trabalho de licenciatura, com um saudoso professor que nos deixou precocemente, passou por mapear topónimos religiosos e perceber, através da sua distribuição espacial, a própria evolução e tipologia da presença religiosa na Idade Média e o seu contributo para a construção da identidade nacional. Foi um trabalho muito “analógico”, com muitas fotocópias, muita pintura e desenho, mas provavelmente mais aliciante do que eu pensei na altura, pois não mais deixei de juntar a Geografia à História.

Coincidência ou cabala, o certo é que o digital acabou por permitir a ponte entre as duas disciplinas e veio agora trazer-me de volta ao ponto de partida e à fonte que em 1991 o Professor Luís Krus me indicou, a carta militar de Portugal. É do uso de uma versão da mesma, agora em formato digital, que em boa medida será feito este meu primeiro exemplo de transformação de “textos em mapas”.

O que aqui apresento é apenas uma exploração, feita com uma pequena amostra de dados, de uma investigação que estou a desenvolver com um colega sobre a evolução da imprensa em Portugal durante o século XIX. Ao mesmo tempo pretende ser uma ilustração do potencial do recurso ao digital (é a veia do professor de Informática Aplicada à História a falar mais alto).

Para responder à questão formulada, sobre a evolução e distribuição espacial da imprensa portuguesa, existe já uma excelente fonte, publicada pela Biblioteca Nacional, em dois volumes, mas no velhinho papel. A mesma está parcialmente disponível no Google Books.

Jornais_1

Foi então seleccionada uma amostra para transformar as informações textuais sobre a imprensa em mapas interactivos que nos permitam saber quantos, quando e onde foram publicados os jornais.

Jornais_2

Da Net apenas se conseguem extrair as imagens digitalizadas do livro, pois o Google Books não disponibiliza esta obra em formato texto. Contudo, um qualquer editor de imagem básico e um razoável programa de reconhecimento de texto (OCR) permitem fazer maravilhas…

Jornais_3

… e passar de imagens…

Jornais_4

… para texto. Depois de algumas operações de “limpeza” feitas com o Excel (sim, o Excel não serve apenas para calcular os impostos a pagar ou para fazer uns gráficos razoavelmente interessantes, serve também para manipular texto, no bom sentido da palavra), o resultado é uma lista de jornais com mais alguma informação anexa.

Jornais_5

Mais umas fórmulas no Excel e é possível passar para uma informação mais estruturada.

Jornais_6

E é aqui que entra a carta militar, essa fonte usada por mim, pela primeira vez, no longínquo ano de 1991, pois através da sua versão digital é possível obter as coordenadas geográficas de uma parte muito significativa dos topónimos nacionais e com isso construir um gazetteer.

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Juntando a lista de jornais e respectivos locais com o gazetteer obtêm-se as coordenadas para os nossos bocados de texto.

Jornais_8

Os mapas ficam então a uma distância de poucos cliques.

Jornais_9

E o resultado final de duas horas de trabalho sobre cerca de 30 páginas de texto (entre as letras J e M) é o que aqui se apresenta!

Jornais

Ainda não é um dia de trabalho, mas é já uma parte do meu Dia das Humanidades Digitais, 2013!

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